A ciência tem se tornado uma aliada indispensável na busca pela xícara de café perfeita, desvendando os mistérios que envolvem o sabor, o aroma e a qualidade dessa bebida tão apreciada. Neste artigo, mergulharemos no fascinante mundo da ciência do café, explorando a química e como diferentes métodos de preparo influenciam a experiência sensorial e revelando a importância de fatores muitas vezes negligenciados, como a qualidade da água. Prepare-se para descobrir como a ciência pode transformar sua maneira de apreciar o café!
A Química do Café
Tipos de Grãos e seus Compostos:
Os dois tipos de café mais utilizados, arábica e robusta, têm quantidades significativamente diferentes dos quatro principais compostos que dão ao café seus sabores característicos.
Alcaloides
Primeiro, temos os alcaloides. São compostos que possuem pelo menos um grupo de nitrogênio e a maioria tem uma estrutura em anel. Os dois principais alcaloides do café são a cafeína e a trigonelina, ambos contribuindo para o sabor amargo do café. Alguns estudos descobriram que os grãos de robusta não torrados têm cerca de duas vezes mais cafeína do que os grãos de arábica, mas apenas cerca de dois terços da trigonelina, o que, no geral, tornaria o robusta um grão mais amargo.
Ácidos No Café
O segundo grupo principal de compostos do café são os ácidos, em particular os ácidos quínico e cafeico, e o ácido clorogênico, que é uma combinação dos dois. E como o nome já diz, esses compostos dão ao café o seu sabor adstringente ou azedo. O robusta tem cerca de 1,5 a 2 vezes mais ácido clorogênico do que o arábica, em média, então, além de ser mais amargo, também é um pouco mais adstringente.
Sacarose
Depois, temos a sacarose, ou açúcar, que, sem surpresa, dá ao café suas notas doces, mas também se decompõe durante a torrefação, criando compostos ainda mais doces. Uma reação em particular, chamada Reação de Maillard, ocorre quando os aminoácidos e os açúcares se combinam, dando ao café sua cor marrom e sabor característico. Os grãos de arábica crus têm mais sacarose do que os de robusta, o que confere ao arábica aromas de caramelo, frutas ou fermentação quando se decompõe.
Por fim, temos os furanos, que dão ao café torrado a maior parte do seu sabor, em particular aquelas notas maltadas ou doces. Eles são formados quando os carboidratos ou os ácidos graxos insaturados se decompõem durante a torrefação, e são mais abundantes no arábica torrado em comparação com o robusta torrado, dando aos grãos de arábica sabores doces de amêndoa.”
Potência do Aroma do Café
A potência do aroma do café não está necessariamente relacionada à quantidade de voláteis, mas à habilidade das moléculas de se conectarem à mucosa nasal e provocarem o estímulo que leva à percepção e identificação do aroma. Pequenas moléculas presentes no extrato do café torrado atingem a mucosa nasal, desencadeando um estímulo que leva à percepção e identificação do aroma.
Métodos de Preparo – Explicando a Químico Física do Processo
Certo, você escolheu seus grãos, moeu-os e agora é hora de preparar. Em termos científicos, muitas das propriedades do café, como cheiro, sabor e textura, se resumem à cinética química e física: como os compostos reagem e como as coisas se movem.
O preparo do café se resume à água quente movendo-se sobre ou ao redor dos grãos de café, seja por pressão ou por gravidade. Há algumas maneiras de isso acontecer. Existem os métodos de infusão, como o ‘pour-over’, em que a água flui sobre os grãos de café, e esses grãos ficam imersos em água, geralmente quente, por um curto período de tempo antes de serem filtrados, tudo com a ajuda da gravidade para puxar a bebida através do filtro.
Métodos De Infusão
Os métodos de infusão geralmente resultam em uma xícara de café mais suave, menos áspera, e são ideais para realçar sabores mais leves e frutados. Os métodos de decocção, como o café em percolador, fervem os grãos em água quente antes de condensar os vapores do café de volta em um líquido.
As altas temperaturas de um método de decocção significam que os compostos do café são extraídos dos grãos muito rapidamente, mas também não há muito tempo de contato entre os grãos e a água, então você acaba perdendo um pouco do sabor e fica com uma xícara de café muito forte e bastante amargo.
Métodos De Pressão
Depois, temos os métodos de pressão, como o espresso, em que você força a água quente sobre os grãos compactados. Sim, o espresso é um método de preparo do café, não um tipo específico de grão, embora você possa ver pacotes nas prateleiras das lojas com o rótulo ‘espresso’. Na verdade, não é espresso, a menos que seja preparado em… bem, uma máquina de espresso.
A combinação de tamanhos de partículas ligeiramente diferentes nos grãos de espresso significa que esses grãos se compactam quando você os pressiona antes de colocá-los na máquina, e isso torna a mistura mais resistente à pressão durante o preparo. Então, se houver boa resistência à pressão, a energia da água quente é transferida para o bloco de café moído, extraindo mais óleos com a água e dando ao espresso seu sabor profundo e textura cremosa.”
Concentração Dos Compostos Do Café
Bebidas com concentrações de compostos de café (ácidos orgânicos, produtos de Maillard, ésteres e heterociclos) entre 1,2% e 1,5% em massa (como no café filtrado) e também entre 8% e 10% (como no expresso). Concentrações fora dessas faixas são desafiadoras de alcançar.
Existem métodos limitados para atingir concentrações de 8% a 10%, sendo a máquina de expresso a mais conhecida. No entanto, há muitas maneiras de obter uma bebida com 1,2% a 1,5% de café, como: pour-over, turco, árabe, Aeropress, prensa francesa, sifão ou café coado. Todos produzem café saboroso nessas concentrações e têm uma vantagem sobre o expresso: são mais baratos.
A Química da Extração
Todos esses métodos resultam em aproximadamente a mesma quantidade de café na xícara. Então, por que o sabor pode ser tão diferente? Existem duas famílias de dispositivos de preparo de baixa concentração: os de imersão total e os de fluxo de água através do café. A principal diferença física é que a temperatura das partículas de café é maior no sistema de imersão total.
A etapa mais lenta da extração não é a dissolução dos compostos na água, mas a velocidade com que o sabor se move através da partícula sólida até a interface água-café, e essa velocidade aumenta com a temperatura. Uma temperatura mais alta significa que mais compostos saborosos presos nas partículas serão extraídos, mas também permite que mais compostos indesejados se dissolvam na água.
Os métodos de fluxo, como o pour-over, são mais complexos. Ao contrário da imersão, onde o tempo é controlado, o tempo de preparo depende da granulometria, pois os grãos controlam a taxa de fluxo.
O Que Mais Impacta a Qualidade do Café: Preparo ou Torra?
A qualidade do café é determinada primordialmente pelos grãos utilizados. Pesquisas, como as publicadas na revista científica Food Research International, (1) ressaltam a importância dos compostos bioativos presentes nos grãos na formação do sabor e aroma característicos do café. A torra é uma etapa crítica. Pesquisas do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) evidenciam que diferentes níveis de torra afetam não apenas o sabor, mas também a concentração de antioxidantes e compostos fenólicos.
A torra é tão importante quanto o preparo. O café pode ser queimado ou ficar cru após a torra. Café preto é café queimado, com gosto de cinza e carvão. Por outro lado, o café muito claro, chamado de blonde coffee, tem gosto de cereais e amendoim. A torra média é preferida para cafés especiais, pois permite a caramelização dos açúcares e a formação dos aromas característicos do café.
Importância da Granulometria na Preparação do Café
A granulometria é fundamental no preparo de um bom café. Um café ultrafino e super preto, como os encontrados em alguns supermercados, resultará em um gosto de carvão com alto amargor, muito adstringente e desagradável. A granulometria está diretamente relacionada com a quantidade de pó e água e o tempo de extração.
Ciência da Moagem
A ciência da extração revela a importância do tempo, temperatura e pressão. Estudos revisados pelo International Journal of Food Science corroboram que a relação entre esses fatores influencia na solubilização dos compostos do café.
A moagem dos grãos desempenha papel crucial. Publicações científicas, como o Journal of Agricultural and Food Chemistry, exploram como a granulometria afeta a extração e liberação de sabores e aromas.
Agora, você já escolheu seu pacote de grãos na loja e pode estar olhando para aquele moedor de café gigante, tentando descobrir qual configuração usar. Ou talvez você tenha feito um curso de espresso e eles lhe disseram para pegar um monte de grãos e moê-los bem fininhos. Esse conselho faz sentido, já que há muita área de superfície para a água extrair todos aqueles compostos deliciosos do café.
Mas pulverizar seu café até virar pó pode não ser o ideal, pelo menos de acordo com a matemática. A Lei de Darcy-Forchheimer, batizada em homenagem aos engenheiros que a desenvolveram, foi originalmente projetada para explicar como a água flui através de uma coluna de areia, mas funciona igualmente bem para o café.
Ela prevê como a água vai fluir sobre os grãos de café, dependendo de fatores como o gradiente ao longo do qual a água se move e a área pela qual a água se move. E isso pode te dizer algo sobre o quão forte ou saboroso o café pode ser.
Se as partículas forem muito finas, a água não consegue passar e o café passa muito tempo tendo seu ‘suco’ extraído, tornando-o amargo ou superextraído. No entanto, se a moagem for muito grossa, a água quente simplesmente flui sobre os grãos, subextraindo os sabores e deixando você com um café azedo.”
Moagem Ideal para Espresso
Em um estudo de 2020 (3), os pesquisadores criaram e testaram um modelo matemático, baseado em parte na Lei de Darcy-Forchheimer, para definir a configuração perfeita para o espresso. Quando eles moíam os grãos muito finos, acabavam com regiões desiguais de pressão se acumulando naquele pequeno monte de café.
Isso significava que apenas parte do café era extraída adequadamente, e eles acabavam com cafés que eram diferentes de uma xícara para a outra. Então, ao contrário da crença popular entre os baristas, eles descobriram que usar menos café, 15 gramas em vez dos 20 habituais, e moer de forma mais grossa, dava-lhes cafés com um sabor muito melhor de forma consistente.”
Relação entre Granulometria, Tempo de Contato e Método de Preparo
Quanto maior o tempo de contato do pó com a água, mais grosso deve ser o pó. Quanto menor o tempo de contato, mais fino. No expresso, o pó é bem fino, pois a extração leva cerca de 18 segundos. Na prensa francesa, que leva 4 minutos, o pó deve ser grosso. A granulometria correta é essencial para uma boa extração e um café saboroso.
Quantidade de Pó para Café Especial
Quem não tem costume de beber café especial pode achar a quantidade de pó utilizada (6 a 10%) muito concentrada. Para quem está acostumado com café concentrado, uma granulometria grossa e uma extração rápida resultarão em um café “aguado”. É preciso deixar 2 minutos e meio a 3 minutos de contato para uma boa extração.
Métodos de Extração e Preferências Pessoais
Existem diversos métodos de extração, como Aeropress, prensa francesa, Clever, V60, Chemex e Syphon. Cada método tem resultados diferentes, mesmo com o mesmo pó e a mesma granulometria. A preferência por um método é pessoal. É importante experimentar diferentes métodos para identificar o seu favorito.
Tempo de Extração para Diferentes Métodos
Expresso: 18 a 20 segundos
Prensa francesa: 3 a 4 minutos
Filtrado: 2 minutos e meio a 4 minutos
Importância da Superfície de Contato na Extração
A superfície de exposição do pó à água também é importante. Métodos com superfícies maisplanas, como a Chemex e a V60, permitem uma distribuição mais uniforme da água e uma extração mais padronizada, resultando em um café menos amargo.
Importância da Água, seus minerais e temperatura para o café
Se você realmente quer ajustar os sabores do seu café, também pode querer dar uma olhada na sua fonte de água. Água dura é rica em íons positivos, como magnésio e cálcio, que podem se ligar aos compostos de sabor.
Por incrível que pareça, esses íons podem tornar seu café ainda melhor. Cada uma das moléculas que dão sabor ao café, seja a cafeína ou um dos ácidos, tem alguns elétrons carregados negativamente ao seu redor.
Os íons carregados positivamente na água dura são atraídos por essas partes negativas dos compostos do café, o que ajuda a puxá-los para a água.
Em um estudo de 2014 (2), os pesquisadores analisaram como o magnésio, o sódio e o cálcio se ligam aos compostos do café, como cafeína, ácido málico, cítrico, quínico e clorogênico, bem como um composto com sabor picante de cravo chamado eugenol.
Eles descobriram que o magnésio se ligava mais fortemente e de forma mais próxima a todos os compostos, seguido pelo cálcio. O sódio não se ligava a nenhum dos compostos mais do que as moléculas de água.
Portanto, de acordo com este estudo, pelo menos, opte por água rica em magnésio se quiser obter o máximo de sabor dos seus grãos. Mas há um porém: você também precisa garantir que a água tenha bicarbonato suficiente para manter os componentes ácidos sob controle.
Importância da Qualidade da Água na Preparação e Análise do café
Em uma xícara de café filtrado, 2% é café e 98% é água. A qualidade da água é importante para fazer um bom café. Não se pode fazer café com água da pia, a não ser que seja uma água mineral de alta qualidade. Para fazer café, precisamos usar 98% de água de altíssima qualidade. Isso vale para cafés especiais.
Para fazer análise sensorial, é necessário um sistema de filtração que regula as características da água. Precisamos padronizar a água para considerarmos uma análise sensorial válida.
A qualidade da água é crucial para cafés especiais. No laboratório, temos um sistema de filtração que regula as características da água, como pH, dureza e sólidos solúveis, para garantir análises sensoriais válidas. A água inadequada pode levar a resultados diferentes e até mesmo a percepções errôneas sobre a qualidade do café.
Temperatura da Água
A temperatura desempenha um papel importante no sabor final da xícara. A National Coffee Association recomenda uma temperatura entre 90 e 96 graus Celsius, ou 195 e 205 graus Fahrenheit, logo abaixo do ponto de ebulição. Isso porque a temperatura da água determina a velocidade com que os compostos de sabor saem da moagem.
A medida que a temperatura aumenta, as moléculas de água ganham energia e interagem mais com os grãos de café. Mais interação significa mais extração. Agora, alguns compostos de sabor do café que são realmente solúveis em água são extraídos rapidamente do café, independentemente da temperatura. Esses incluem os ácidos quínico, málico e cítrico.
Existem compostos que se dissolvem de forma diferente em água em diferentes temperaturas. Esses são principalmente os compostos que dão ao café o seu sabor amargo, como os alcaloides que mencionamos anteriormente. Portanto, com água mais quente, você obtém mais desses compostos amargos sendo extraídos.
Água extra quente também pode liberar outros compostos, como as pirazinas, que conferem um sabor terroso ou queimado. Provavelmente é por isso que as pessoas costumam dizer que o café preparado em temperaturas mais altas pode ter um sabor bastante amargo.
Dicas para o Café Perfeito em Casa
Mesmo que você consiga reproduzir o método de preparo do seu barista favorito, ainda há uma grande chance de que seu café caseiro tenha um sabor diferente. Existem três sutilezas que impactam a qualidade:
- Química da água: A acidez da água afeta diretamente a acidez do café. Água com baixos níveis de íons de cálcio e bicarbonato (HCO₃⁻) – água mole – resulta em uma xícara muito ácida. Água com altos níveis de HCO₃⁻ – água dura – produz uma xícara com sabor de giz, pois o bicarbonato neutraliza os ácidos do café. O ideal é usar água com níveis intermediários de bicarbonato.
- Distribuição do tamanho das partículas: Moedores de lâminas produzem uma distribuição aleatória de tamanho de partículas, com pó e grãos inteiros coexistindo. Moedores de rebarbas, com duas peças de metal dentadas, cortam o café em pedaços progressivamente menores, permitindo que as partículas passem por uma abertura apenas quando pequenas o suficiente. Há divergências sobre a granulometria ideal em moedores de rebarbas. Uma corrente defende a moagem mais fina possível para maximizar a área de superfície e extrair mais sabor. A outra defende a moagem mais grossa para minimizar a produção de partículas finas que conferem sabores negativos. O ideal é experimentar e descobrir sua preferência.
- Frescor do café: O café torrado contém CO₂ e outros compostos voláteis presos na matriz sólida. Com o tempo, essas moléculas escapam, resultando em uma xícara menos saborosa. Cafés geralmente não servem grãos com mais de quatro semanas após a torrefação. Resfriar o café diminui a taxa de perda de aroma. Armazene o café em um recipiente hermético no freezer para prolongar o frescor.
Conclusão
Não se sinta mal se o seu café caseiro não se compara ao do café. Há muitas variáveis, científicas e outras, que influenciam na produção de uma xícara excepcional. A maioria dessas variáveis não é otimizada por algoritmos, mas pelo paladar de alguém. O mais importante é que o seu café tenha um sabor agradável para você, xícara após xícara.